É TEMPO DE ACABAR COM A ARLEQUINADA
É TEMPO DE ACABAR COM A ARLEQUINADA
[ Artigo de opinião pessoal que só a mim me vincula. ]
No dia 26 de março foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-G/2020 que estabelece as condições de acesso ao chamado lay-off simplificado, e suas condições de aplicabilidade e funcionamento, em substituição das que vigoravam desde 16 de março e tinham sido previstas inicialmente na Portaria n.º 71-A/2020.
Quero apenas falar da condição definida no ponto ii) da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, onde se prevê umas das condições de verificação de crise empresarial:
“A quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido junto dos serviços competentes da segurança social, COM REFERÊNCIA À MÉDIA MENSAL DOS DOIS MESES ANTERIORES A ESSE PERÍODO, ou face ao período homólogo do ano anterior…”
Destaquei a passagem “COM REFERÊNCIA À MÉDIA MENSAL DOS DOIS MESES ANTERIORES A ESSE PERÍODO” porque esta publicação é para destacar a fantochada que a Segurança Social e, em particular a DGERT, têm feito à volta da interpretação do que acham que devem ser os DOIS MESES ANTERIORES A ESSE PERÍODO de trinta dias anterior ao DIA do pedido de lay-off junto dos serviços competentes da segurança social.
Logo de seguia à publicação desta nova norma, e depois de até altas horas de uma noite ter trocada impressões com alguns colegas, procurando validar a interpretação que me parecia mais lógica e corrente com o que o legislador teria intenção de escrever, disponibilizei um Excel para ajudar à verificação desta condição, que assentou no seguinte raciocínio:
- Lay-off inicia no dia X,
- Considera os 30 dias de faturação imediatamente antes do dia X,
- Compara com a faturação média nos 60 dias corridos de calendário imediatamente anteriores aos 30 dias considerados no ponto anterior.
A discussão que isto gerou… principalmente depois de a DGERT ter publicado o primeiro exemplo (ver imagem 1). Recebi pedidos de explicação de dezenas de colegas a quem fui expondo a interpretação e explicando o porquê de achar que deixar uma série de dias de faturação pelo meio sem análise era um disparate e não faziam sentido nenhum. Até comparei com o que está previsto na regra de quebra de faturação definida no regime excecional e temporário de cumprimento de obrigações fiscais e contribuições sociais onde – nesta sim – se remete claramente para a média dos três MESES ANTERIORES AO MÊS em que exista a obrigação de pagamento do IVA ou das retenções de IRS/IRC. Copiei e colei esse texto em dezenas de respostas no messenger e em grupos do FB. Troquei impressões com a nossa Bastonária e com colegas da OCC que têm estado nas Reuniões Livres.
Prevaleceu a ideia do exemplo da DGERT. Vencido (mas não convencido), reprogramei o meu Excel e disponibilizei nova versão conforme interpretação da DGERT.
Posteriormente, a DGERT publica um outro exemplo (ver imagem 2) que aumenta o disparate, ao incluir a faturação do dia 29 de fevereiro em dois períodos em comparação. De tão absurdo que aquilo era, acho que ninguém levou a sério e nem sequer gerou discussão.
Mas esta noite sou surpreendido por nova alteração no exemplo da DGERT (ver imagem 3). E não é que nos DOIS MESES ANTERIORES A ESSE PERÍODO de 30 dias passas de dois meses certos de calendário para os dias de dois meses seguidos de calendário?
E encostam o DOIS MESES ANTERIORES ao PERÍODO de 30 dias de faturação imediatamente antes do dia de início do lay-off?
Não consideram 60 dias corridos de calendário, mas consideram de 28/12 a 28/02 e o raciocínio lógico e coerente está lá: dois meses anteriores a esse período…
… anteriores a ESSE PERÍODO DE TRINTA DIAS ANTERIOR AO DO PEDIDO!
Será que seguiram o meu conselho de domingo à noite e começaram a ver as aulas de Português do #EstudoEmCasa na telescola?
Pela primeira vez, em 30 e tal dias de crise COVID19 consigo ficar surpreendido pela rapidez e eficácia de alguma medida!!!
Sim, estou a ser irónico e cínico q.b. …
Porque, só assim, consigo o autocontrolo necessário para não qualificar, com os nomes todos que verdadeiramente se justificam, quem tem legislado desta forma estouvada e interpretado desta maneira leviana. Sem falar das inúmeras situações ainda não interpretadas convenientemente. Ou seja, interpretação incompetente em algumas situações e incompetência por omissão de interpretação em tantas outras.
E este é apenas um dos muitos exemplos de desnorte a que temos assistido, e com que temos de lidar. A desarticulação entre quem legisla e quem interpreta é evidente e as contradições e sucessivas mudanças de posição parecem roçar a má-fé.
Mas é hora de dizer: chega desta farsa!
É que há profissionais e organizações no terreno a esforçar-se por dar o seu melhor para ajudar o país a sair disto. E, o mínimo que exigimos, é RESPEITO e responsabilidade!
No dia 19 de março fiz esta publicação que ironizava com a complexidade levada ao extremo da legislação e dos procedimentos de sua implementação.
Infelizmente, um mês depois nada mudou. A pergunta tem que ser repetida. Gritada, mesmo: O OBJETIVO É MESMO APOIAR E PREVENIR QUE AS EMPRESAS ENTREM EM ROTURA DE TESOURARIA, OU O OBJETIVO É BLINDAR DE TAL MANEIRA O ACESSO AOS APOIOS PARA QUE MUITOS DOS QUE VÃO TER NECESSIDADE NÃO OS UTILIZEM?
Ontem, a Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados foi ouvida no Parlamento e, com variados exemplos concretos evidenciou claramente o que é um país a duas velocidades e, em alguns aspetos, até a “puxar” para lados opostos. Com especial enfoque na banca e em serviços do Estado que atuam em sentido contrário ao anunciado e ao que é exigido.
Esta audição à Dr.ª Paula Franco caracteriza a realidade, e expõe as dificuldades, como dezenas de horas de debates e notícias que temos visto nas televisões ainda não foram capazes de caracterizar nem expor.
Fica o link:
DEVERIA SER TRANSMITIDA EM HORÁRIO NOBRE DA TELEVISÃO E EM SINAL ABERTO!
Entretanto, para distrair da trágica realidade que vamos vivendo e sentindo, os especialistas em marketing político criaram um “caso” à volta de uma celebração que umas dezenas de políticos egocêntricos insistiram em ir fazer ao Parlamento, contrariando tudo o que foram recomendações e imposições que, há um mês, impedem o país de funcionar. Nos impedem de trabalhar como era desejável. Como haveremos de os levar a sério?
E muito do “povo”, incluindo aqui o das redes sociais, vai no engodo desse “caso” e esquece a realidade, como se o que realmente importa é a festa dos políticos para os políticos.
Chega de farsa!
Acabem com a palhaçada!
E comece-se seriamente a pensar no presente, para prevenir o caos que se avizinha para daqui a uns meses, quando as empresas continuarem sem clientes e sem tesouraria para pagar aquilo que agora se anda a empurrar para a frente com “paninhos quentes” e “falinhas mansas”.
Quando, nessa altura, deixar de haver dinheiro também nos cofres do estado para pagar salários a 100% (e com aumentos) de tantos burocratas, tecnocratas e gente perita em complicar, talvez estes tenham o discernimento de perceber que deveriam ter sido mais competentes. Talvez seja tarde quando tomarem consciência disso…
Que eu esteja enganado…
Paulo Marques, 2020.04.22